Com certeza você já viu ou ouviu falar sobre o Entre Todas as Coisas, site fundado pelo publicitário Daniel Bovolento que está no ar desde 2010. Depois de seu enorme sucesso na internet, com a publicação textos e crônicas sobre comportamento, relacionamento e sexo, Daniel partiu para literatura e lançou em 2015 seu primeiro livro, Por Onde Anda as Pessoas Interessantes (Editora Planeta). Um ano depois, o escritor inicia a turnê de divulgação de Depois do Fim (Editora Planeta), sua segunda obra.

Antes de você ler a entrevista com esse cara, devo dizer que foi uma das conversas mais incríveis que tive nos últimos tempos. Primeiro porque o Daniel é uma das grandes vozes da nossa geração, segundo porque ele é uma pessoa muito poética e inteligente. Ou seja, era para ser uma entrevista, mas acabou virando um bate-papo super bacana e sincero sobre a sociedade, a vida, o amor e os relacionamentos atuais. Saca só:

Depois do Fim é o seu segundo livro. Mas você também tem o Entre Todas as Coisas, né? Que balanço você faz desse tempo? 
Primeiramente, se não fosse o Entre Todas as Coisas, nada disso teria acontecido na minha vida. O site realmente começou como um hobby, porque eu gostava de escrever, mas não imaginava a dimensão desse mundo. Já são seis anos desse trabalho, então comecei numa época de blog mesmo, onde o YouTube não era tão estourado como hoje. Foram muitos desafios e aprendizados, com toda certeza.

E o que mudou na sua rotina depois que você começou a escrever? 
Mudou muita coisa! Eu sou publicitário, mas larguei essa vida de agência para me dedicar à escrita. O plano da editora Planeta é lançar um livro por ano, então preciso ter mais tempo para escrever. A minha escrita e o mundo digital também mudou, claro, e também o que consumo. Porque não tem como escrever se você não tiver experiência e embasamento. Então comecei a ler muito depois disso.

Não é só você que escreve no Entre Todas as Coisas, né? Como aconteceu essa mudança no site? 
O blog começou em 2010 e fiquei escrevendo sozinho até 2012. Só que eu recebia muitos e-mais pedindo para que eu avaliasse textos e com perguntas sobre parceria. Foi aí que percebi que era uma vantagem eu ter mais pessoas no site, tanto numa questão de conteúdo quanto de logística. Abri em 2013 a primeira seleção e em dez dias recebi mais de quinhentos textos… demorei cerca de três meses para ler tudo, mas consegui uma galera foda que escreve para mim até hoje. Atualmente, não abro mais seleções, se vejo algum trabalho bacana na internet eu logo convido para escrever no blog.

O seu perfil pessoal tem uma audiência muito grande. Com o passar do tempo, você passou a ter mais cuidado com o que você posta? 
É bem complicado ter tantos seguidores e admito que tem coisas que penso mil vezes antes de postar. E tem alguns assuntos que são difíceis de tocar, né? Mas, em questão de posicionamento político, por exemplo, eu não envolvo o blog nisso. Nesse ponto, o Entre Todas as Coisas é como se fosse uma empresa. Eu, Daniel, sou declaradamente a favor do feminismo e contra qualquer tipo de discriminação e opressão. Por ser gay, eu me sinto com o dever de me posicionar sobre determinados assuntos. Infelizmente tem gente que confunde o Daniel com o site, já ouvi comentários do tipo “ah, não vou ler seus textos porque você é de esquerda”. Fazer o que, né? A gente está chegando numa era em que ser neutro não vai rolar mais. Posicionar-se é mostrar quem você realmente é, e isso é muito importante.

Você deve escrever 24 horas por dia, né? [Risos] Porque você quer escrever um livro por ano, tem o blog, é colunista em outros sites, tem canal no YouTube… 
É bem difícil conciliar tudo! [Risos] Eu produzo muito para a internet. Sou colunista do Casal Sem Vergonha há quatro anos, do Super Ela há quase dois e ainda tenho o Entre Todas as Coisas. Por mês, faço cerca de dez textos para outros veículos – ou seja, já dá um livro! Pensar nisso é complicado, porque eu entro numa escassez enorme. 80% dos meus livros são inéditos, então é uma produção muito grande.

Como foi a experiência de escrever um livro, já que, até então, você só escrevia para internet?
Quando fiz Por Onde Anda as Pessoas Interessantes eu não tinha a menor ideia do que estava fazendo da minha vida. Eu só sabia que queria escrever um livro e tinha a história dele mais ou menos formada na minha cabeça. Então, o livro acabou ficando muito amplo e abrangente. Na época que escrevi ele, eu ainda trabalhava em agência, tocava o Entre Todas as Coisas e tinha várias campanhas publicitárias em torno do blog. Ou seja… eu só escrevia de madrugada. Na semana de entrega lembro que não dormi e fui parar no hospital porque tive uma crise de adrenalina depois de tomar dois litros de energético com coca-cola. Foi uma semana louca! Para esse novo livro, não quis repetir isso, sabe? Eu queria uma experiência mais saudável. Depois do Fim foi muito planejado, nós trabalhamos em cima de uma linha temática e eu sabia exatamente o que escrever e que tipo de linguagem usar.

E como é sua rotina de escritor? 
É uma produção técnica bem mais elaborada. Li vários livros de um monte de gente ensinando a escrever livro, mas, na prática, isso não adiantou muita coisa [Risos]. Não existe método, cada autor vai encontrar sua maneira de trabalhar. Eu, por exemplo, sento num Starbucks da vida, peço um café, coloco um fone de ouvido e fico observando as pessoas. Não há maneira melhor de escrever sobre gente observando as pessoas.

Por Onde Andam as Pessoas Interessantes fala sobre amor. E agora, você lança uma obra falando sobre o fim [Depois do Fim]. Você acha que esse livro fecha um ciclo? 
Não fechou, porque ainda tem coisa vindo por aí! Quando terminei o meu primeiro livro, eu já sabia o que queria falar em Depois do Fim. Então, a última frase de Por Onde Andam […] é um gancho para o próximo livro. Mas, sinto que pelos os meus livros serem de crônicas e não romances, eles funcionam muito bem sozinhos. Apesar disso, eles tem uma certa ligação. O que posso adiantar é que sim, eu pretendo trazer um fim pra essa história.

O que Depois do Fim traz de diferente? 
É um livro bem mais maduro, com certeza. Eu brinco que Depois do Fim é um romance contado por crônicas, porque você sente que é uma história contada por uma pessoa só. Mas, a verdade é que são várias pessoas falando. É um livro muito intenso, sabe? Eu realmente tirei os demônios que estavam dentro de mim e chamei eles para conversar. É muito pessoal, também, falo de várias situações que já vivi e que acredito que o leitor irá se identificar. Ele também foca muito no sentimento. Depois do Fim não quer te mandar superar nada, ele só quer te fazer pensar nesses términos e no que fica na sua vida depois do fim.

Por se tratar de um assunto mais pesado, você acredita que o seu público mudou? 
Acredito. A pessoa que comprou Por Onde Andam […] está solteira e quer encontrar alguém, enquanto a pessoa que lê Depois do Fim acabou de terminar um relacionamento, está sofrendo e quer superar, quer pensar na vida.

Nós caminhamos para uma sociedade muito individualista. Hoje em dia, por exemplo, é ok estar solteiro, não se envolver com alguém, e continuar assim até os 30, 40 anos. O que você acha disso? 
É muito legal você tocar nesse ponto, porque eu quero escrever uma história sobre isso! Bom, a partir do momento que você se empodera, pensando “Eu não preciso de alguém”, você percebe que não, você não precisa de alguém para ser feliz. Nós ainda precisamos das pessoas em várias áreas da vida, mas, no campo afetivo, um homem não precisa de uma mulher e uma mulher não precisa de um homem para ser feliz – e isso acontece nas relações homoafetivas também. O que acontece é que você pode escolher estar com alguém. O correto é isso: você não precisa, mas você voluntariamente escolhe estar com alguém.

E o mundo mudou, né? Não tem aquela pressão social… 
Estou lendo um livro super interessante que fala sobre isso, chama Romances Modernos (Aziz Ansari). O autor aponta, por meio de pesquisas, que na década de 50, por exemplo, as pessoas se casavam justamente por conta dos papeis sociais. O homem tinha que ser um bom provedor e a mulher tinha que ser uma boa mãe. Se isso funcionasse, o casamento daria certo. Hoje em dia, nós casamos não por conta disso, mas por amor. Mas, o que é o amor? Quando a gente fala sobre amor, é muito abstrato, porque existem mil coisas que fazem parte disso e diversos tipos de amor. Então, eu acho que nós chegamos em uma geração que está meio perdida. Nossos pais, por exemplo, ainda tinham um norte: estudar, ter um emprego público, casar, ter filhos e comprar um imóvel. A nossa geração não. Não existe mais uma pressão social pra se conseguir essas coisas. Com isso, a gente perde o norte, porque não temos um modelo a ser seguido. E está todo mundo f*odido com isso, indo ao analista, todo mundo confuso. Ou seja, acho que há uma maneira legal de se empoderar, que nos ajuda a escolher relacionamentos que não vão pesar ou serem abusivos, mas por outro lado isso gera um medo se relacionar.

Nós acabamos de falar sobre receitas, que a nossa geração não tem receita pra nada. Mas, para você, o que é preciso para um relacionamento dar certo? 
Eu mudei muito de ideia durante o tempo, mas acho que tem duas coisas fundamentais para um relacionamento dar certo. A primeira é timing: porque não adianta você gostar muito de alguém e esse alguém gostar muito de você, se vocês estão em tempos diferentes. Por exemplo, posso amar alguém, mas se eu não estiver querendo um relacionamento, e sim um ano sabático pra viajar pelo mundo e me descobrir, o meu relacionamento está fadado à fracassar. A segunda coisa é indisponibilidade. Sinto muita falta das pessoas dizerem o que sentem, porque hoje em dia todo mundo tem medo de dizer que gosta. Criou-se isso de que sentir é ser fraco. É horrível! Dizem que quem fala primeiro o “eu te amo” perde todo o poder em uma relação. O que é isso? Ás pessoas não estão disponíveis, elas se fecham, mas gente, relacionamento demanda esforço, não é só gostar! Namorar é dar o seu tempo para alguém e encarar todo um ciclo novo de vida: conhecer a família e os amigos dessa pessoa, mandar mensagem, arranjar um tempo para vê-la mesmo quando você não tem, é ceder.

Nós falamos muito sobre norte… então, o que acontece depois do fim? 
 O último texto do livro chama Depois do Fim, e fala justamente disso. A história começa quando o casal percebe que o relacionamento não está mais dando certo e que as coisas não são mais como eram. São doze textos até o término, e isso é um ponto importante, porque acredito que um relacionamento não acaba do nada, ele vai se desgastando até enfim terminar. Esse último texto é, na verdade, uma carta que escrevi para o leitor em tom de desabafo. Uma conversa bem franca, que não vou entregar, claro, mas que fala sobre essa ideia de ter que superar alguém. Quem enfiou isso na nossa cabeça? Quem disse que precisamos esquecer alguém? A gente não esquece alguém. A gente não esquece a nossa história. Então, depois do fim, nós devemos tirar esse peso e aceitar que nós não vamos conseguir esquecer aquela pessoa. Desculpa, mas não dá pra apagar uma pessoa da nossa memória. A ideia de superar vem de outra forma: quando você entende que aquela pessoa fez parte da sua vida e vai continuar fazendo, é que você supera.

Matéria publicada no site DAMMIT - MTV