Johnny Hooker, Aretuza Lovi, Liniker, Lia Clark, Jaloo, Gloria Groove, MC Linn da Quebrada, As Bahias e A Cozinha Mineira, Rico Dalasam e Pabllo Vittar. O que esses nomes tem em comum? Todos eles fazem parte de um novo movimento musical, que, timidamente, vem conquistando espaço e colocando questões políticas e sociais importantes em foco. Uma delas é a questão de gênero, que por muitos ainda é considerada um tabu.

MPBTrans, como vem sendo chamado o movimento, não conta só com artistas que se assemelham musicalmente à Gal Costa, Maria Bethânia, Caetano Veloso e Tom Zé. Muito pelo contrário – a MPBTrans destaque-se por unir diversos estilos musicais. O rap de Rico Dalasam, o funk de MC Linn da Quebrada, a pegada eletrônica de Jaloo e o pop de Pabllo Vittar. Ou seja, é a MPB no seu sentimo mais literal, uma música popular brasileira que se tornou popular e caiu na boca do povo.

Outra característica importante é que a MPBTrans não tem necessariamente a ver com a transexualidade. A exemplo da cantora Pabllo Vittar. “Sou drag e só subo no palco de mulher. Mas, não tenho essa coisa de me montar sempre não. Sou um garoto gay que faz drag”, explica ela, que frequentemente pode ser vista nas redes sociais sem a peruca e a maquiagem. Mesmo assim, Pabllo conquistou um papel importante nas discussões de gênero. Após deslanchar em 2015 com Open Bar, paródia do hit Lean On de Major Lazer e Mø, a artista de apenas 22 anos está há duas temporadas à frente da banda do programa global Amor & Sexo, lançou em janeiro de 2017 seu primeiro álbum de estúdio e atualmente encontra-se em uma turnê frenética de divulgação. “Vocês tem noção do que é ter uma drag ganhando toda essa visibilidade? É algo incrível para nós, LGBT’s”, comemora.

E há muitos motivos para comemorar. Na sua semana de estreia, Vai Passar Mal já era o segundo disco mais baixado do iTunes. No YouTube, os números são meteóricos: são mais de 31 milhões de visualizações. O primeiro single do projeto, Todo Dia (que conta com a participação do rapper Rico Dalasam) já passa dos onze milhões e foi considerado, por muitos, o hit do Carnaval 2017. “Não esperava por tudo isso. Eu passava nos bloquinhos de Carnaval e ouvia Todo Dia e ficava tão animada! Até no exterior eu fiquei sabendo que ela tocou”, conta.

“Quando você descobrir quem você é e se aceitar, ninguém mais vai ser capaz de te colocar para baixo” – Pabllo Vittar.

Mas, nem tudo são flores. Ganhar visibilidade também é sinônimo de ganhar haters. Apesar de ser familiarizado com o preconceito desde muito cedo – Pabllo nasceu em São Luís do Maranhão e lá sofreu muito no colégio por ter a voz fina – ela ainda se assusta com os comentários negativos que recebe. “Eu tenho essa voz aguda e muita gente implica comigo”, diz. “Eu leio o que os haters dizem, está na internet, está lá para todo mundo ver. Mas não me importo, aprendi a absorver só o que é relevante para mim como pessoa e como artista”, completa.

Passando por cima do preconceito e dos comentários maldosos, Pabllo Vittar soube como dar a volta por cima. E Vai Passar Mal expressa bem essa história de superação, seja em faixas mais emotivas como Indestrutível e Irregular, ou em canções sensuais como K.O. e Pode Apontar. Produzido por Rodrigo Gorky, do grupo Bonde do Rolê, o disco conta com participações especiais de Mateus Carrilho (Banda Uó), Lia Clark, Laura Taylor e Rodrigo Gorky. “Misturamos todos os gêneros que me influenciaram musicalmente de alguma forma: forró, eletrônica, technobrega, arrocha e funk. Mas ainda o defino como pop”, reflete a cantora. “Foi uma mistura louca que deu certo!”, finaliza.

Abaixo, confira minha entrevista completa com a cantora:

Nós ainda estamos em abril, mas creio que 2017 já tenha se tornado um marco na sua carreira. Lançamento do primeiro disco, sua participação no Amor & Sexo, a agenda agitada, shows, aparições… como ficou sua rotina? O que mudou? 
Minha rotina está a mais maluca do mundo! Por exemplo, fiquei um mês em que passava em casa só pra trocar de mala e dormir uma noite, se contar rapidinho acho que de 30 dias fiquei apenas dois em casa. Agora já estou ficando craque, consigo fazer meus exercícios no quarto do hotel mesmo, pra não perder a forma, estou mestre na posição de dormir nas poltronas pequenininhas dos aviões e já tenho meu cantinho pra tirar um cochilo nos aeroportos. E tento fazer mais de uma coisa ao mesmo tempo, pra não perder tempo!

O Carnaval foi muito intenso para você, né? Você imaginava esse sucesso todo? Como você se preparou para ele? 
Foi super intenso e cansativo, mas prazeroso e maravilhoso. Eu esperava por uma repercussão positiva mas nunca imaginei que seria desse tamanho! Por sorte mudei minha rotina alimentar e física há alguns meses, então mesmo super cansada consegui entregar tudo da melhor forma pra quem foi me assistir nos shows.

Todo Dia é considerada por muitos o hit do Carnaval 2017. E a frase “Não espero Carnaval pra ser vadia… sou todo dia” está na boca do povo! Pra você, o que é ser vadia? 
Ser vadia é ter a liberdade de ser quem você é, sem seguir os padrões (esdrúxulos) da sociedade atual. É pode usar roupa curta, longa, transparente ou super fechada, é poder ter o cabelo longo, curto, de qualquer cor ou até mesmo não ter, é poder fazer o que quiser, mas nunca invadindo o espaço alheio – isso é muito importante.

As pessoas devem ter passado a te reconhecer na rua. Você já sente falta de fazer alguma coisa que antes você fazia tranquila, e agora está mais complicado de fazer? 
Não sinto não! Essa carreira é meu sonho e estou concretizando ele! Meu fãs são muito lindos e respeitosos, sério. Quando fui no Lollapalooza, em São Paulo, fui de pista mesmo, nada de camarote, backstage ou cia, e tirei muuuuuitas fotos com fãs, muitas mesmo, e foi lindo demais todo o carinho que recebi.

Antes de fazer drag, você cantava como menino. Hoje, você consegue se imaginar performando sem estar montada como a Pabllo Vittar? 
Não! Hoje não, mas nunca podemos dizer nunca, né? Algum dia ainda pode rolar sim.

Você optou por não adotar um nome feminino ao virar drag. Isso é bacana, eu vejo que virou uma maneira de aproximar os fãs da pessoa por trás da maquiagem, da peruca… mas há uma distinção?
Pabllo Vittar é uma personagem, um alter-ego? Quem é Pabllo Vittar? A drag Pabllo Vittar me ajuda muito a me expressar, mas a única diferença entre a Pabllo montada e a desmontada é que quando estou “de menino” sou um pouco mais tímido! Sempre que alguém me pergunta sobre isso me vem a cabeça que, quando você vai construir a sua drag, você busca referências até para nomes, mas eu amo meu nome de qualquer forma, então não quis trocá-lo de maneira alguma.

Para você, qual é a melhor maneira de quebrarmos essa questão de gênero? 
Temos que mudar lá na infância, perder essa coisa horrível de que azul é de homem e rosa é de mulher, que meninos brincam de carrinho e meninas brincam de boneca. Toda essa ideia que é construída na infância é tão retrógrada e não é natural! Quando nossas crianças crescerem sem terem isso impostos à elas teremos um mundo melhor. Enquanto isso, vamos debatendo para tentar desconstruir cada dia mais pessoas sobre esse tema.

Ainda sobre essa questão de gênero… eu vejo que as pessoas (até mesmo a mídia, e me incluo nisso!) ainda tem uma certa dificuldade em se referir a você como “a Pabllo”. Claro que, quando você está de drag, nos referimos a você no feminino, mas você se incomoda, quando por exemplo, escrevem “o Pabllo”, por seu nome ser masculino? Como você prefere sua identificação? 
De maneira alguma, não me incomoda em nada! Eu sou a Pabllo e também sou o Pabllo. Claro que, quando desmontada, é mais natural que me chamem de “O Pabllo”, e quando em drag, “A Pabllo”. Isso é algo natural, eu realmente já me acostumei com os dois e nem percebo se me chamam no feminino ou no masculino.

Se fala muito sobre empoderamento hoje em dia. Para você, qual é a melhor maneira de uma pessoa se empoderar? 
Estudar, estudar, estudar! Buscar se informar o tempo todo, entender o mundo ao seu redor e saber como mudá-lo.

O sucesso e o reconhecimento mudou a forma como você encara o preconceito e os haters atualmente? 
Quanto ao preconceito, acho que o sucesso não mudou a forma como eu reajo à ele. O que mudou foi o crescimento e maturidade que tenho hoje e não tinha há alguns anos, e que tenho certeza que com o passar do tempo terei outra postura também. Quanto aos haters, hoje decidi ignorá-los! Temos muito ódio gratuito atualmente nas redes sociais, escondida atrás de perfis fakes, de comentários maldosos… se pararmos de alimentá-los de atenção, logo eles irão entender que não temos espaço para isso.

Eu vejo que a aceitação está acontecendo, o preconceito está diminuindo, mas o Brasil ainda é um dos países mais hostis contra LGBTs. E é complicado esse assunto, porque tudo o que conquistamos pode mudar da noite para o dia – a eleição do Trump é um exemplo disso. E você agora é considerada uma grande figura contra o preconceito e a intolerância. Você está em foco. Isso te assusta? Como é estar na linha de frente, já que você tem bastante espaço na mídia? 
Isso me assusta um pouco, mas caminho e aprendo junto. Vejo que estamos em um momento em que o conservadorismo está em alta e isso é muito bizarro! Vivemos sim num país hostil à comunidade LGBT, e é por isso que temos que lutar. Mas não me sinto na linha de frente disso tudo, sinto que faço o meu papel e que temos artistas ativistas que têm um conhecimento infinitamente maior que o meu e com os quais eu aprendo sempre. Isso é importante, aprender.

Falando em mídia… como tem sido sua relação com ela nesse início da sua carreira? 
Super tranquila, na verdade! Até hoje não tive problema algum.

O que eu mais gosto no seu álbum é o fato dele transitar por vários estilos musicais. Como foi para você trabalhar com as diferenças de cada estilo? E, o mais importante: como você define o seu som e o seu disco, considerando que ele tem todas essas misturas? 
Acho que meu álbum pode ser definido como pop. Nele quis mostrar o maior número de influências que tenho de uma maneira gostosa e divertida, e acho que deu certo, né? Eu amo fazer essas misturas loucas e o Gorky [produtor musical do disco] é mestre em fazer isso, então tudo fluiu com muita naturalidade e muito bem durante o processo.

Depois de todo esse frisson com o lançamento do disco e todas as coisas legais que você fez ou participou, o que podemos esperar da Pabllo nos próximos meses? 
Ah gente, tem um monte de coisa, mas não posso falar delas ainda! Surpresinhas! [Risos] Mas o que posso dizer é que gravamos o clipe de K.O. na última semana de março e vamos lançar em breve. Ficou incrível!

RAPIDINHAS 
 Uma música que te define atualmente – Catuaba, da Aretuza Lovi [Risos] 
Uma cantora POP que arrasa – Rihanna 
Uma série que você assiste – Rick and Morty 
Um filme inesquecível – Paris is Burning

Matéria publicada em abril no site DAMMIT (MTV).