Prestes a lançar novo álbum de inéditas, Pianista e cantor Lulli Chiaro destaca-se ao resgatar o romantismo da música brasileira
Uma das coisas que você logo percebe ao conversar com Lulli
Chiaro é que ele está sempre em movimento. É elétrico, excêntrico
e transita de um assunto para o outro com rapidez e naturalidade
dignas de um rapaz. Logo que senta perto de mim, já
começa falando sobre o insight que teve para a capa do seu novo
álbum de inéditas, Sala de estar. “Eu tive uma ideia tola no início,
de fazer uma capa numa sala clássica com algumas cadeiras. Algo
muito comum, né? Mas aí me veio outra ideia. Visualiza comigo:
o topo de uma montanha onde você tem nada mais do que o
infinito aos seus pés. Não tem começo, meio e nem fim. Teremos
algumas cadeiras vazias com o cume alto e, bem ao centro, no
vazio imenso, eu e o piano. É uma ideia incrível, né?”.
Intenso (“O destino de todo homem é ser um eterno romântico
– afinal, há prazer maior do que se apaixonar por uma mulher?”),
curioso (“Me diz, qual é o seu signo?”) e vaidoso (“Eu
acabei de dar um trato no meu cabelo, você gostou?), Lulli não
poupa palavras para falar sobre qualquer assunto. E não é muito
discreto: com uma camisa de botões descolada, o artista dificilmente
passaria despercebido na rua. “São as mulheres que mais
consomem o meu trabalho. Eu canto para elas”, sorri.
Pianista, compositor e cantor, Lulli Chiaro começou sua trajetória
aos 16 anos de idade, quando compôs seu primeiro hit, a
marchinha Jardim de infância, que ficou conhecida na voz de
Ronnie Von. Porém, foi na infância rodeada pela arte que ele viu
despertar seu interesse pela música. “Cresci num ambiente muito
intelectual. Meu pai era escritor, minha irmã poetisa e o meu
irmão mais velho artista plástico. Tudo era tão cultural e intenso.
E, também, a casa estava sempre cheia, nós éramos em seis
irmãos, sem contar os agregados. Era um choque de culturas
muito grande”, relata. Quando pequeno, passava horas e horas
ouvindo música clássica e italiana. “Sempre tive essa veia artística.
Mas no começo tudo foi muito difícil”.
Aos sete anos, sem jamais ter estudado, o jovem Lulli foi à
casa de um vizinho e pegou emprestado seu acordeon. Nele,
tocou a canção preferida de sua mãe. “Você sabe quem era esse
vizinho? O Adoniran Barbosa, um dos maiores artistas que esse
Brasil já viu. E ele não tocava nada, o negócio dele era poesia.
Essa parte da minha história é muito especial, porque o Adoniran
acabou se tornando um grande incentivador da minha carreira
artística. E, no final, ele até me deu esse acordeon, que
tenho guardado até hoje”, relembra o cantor, com carinho. “Eu
tenho essa coisa louca de ser autodidata, sabe? De ouvir as coisas
e conseguir tocar um instrumento sem saber de fato como
ele funciona. Isso pode ser muito bom em alguns aspectos, mas
em outros, nem tanto”, reflete.
Anos mais tarde, outro episódio memorável, desta vez envolvendo
a cantora Rosemary. “Ela também era minha vizinha. E
estudava num conservatório porque os pais eram muito ricos. E
minha família? Minha família não tinha dinheiro pra nada”, o
cantor gargalha, mas retoma a fala logo em seguida. “Acontece
que o pai da Rosemary conseguiu fazer um esquema para eu
entrar no conservatório também. Fiquei três meses no Spartaco Rossi, até que estraguei tudo durante uma audição”, relembra.
“Os alunos iam todos engomadinhos e eu lá, como um pobretão.
Pra piorar, cheguei atrasado e perdi a hora da minha apresentação. Mas a professora fez questão que eu fizesse o meu número.
Era para eu tocar Castelo azul, mas fiquei tão irritado com o
talento dos outros alunos que acabei quebrando tudo e criando
uma versão meio rock n’ roll do clássico. Resultado? Fui expulso
no dia seguinte”, conta, aos risos.
Travesso em alguns momentos, prodígio em outros, Lulli
Chiaro se viu numa encruzilhada na adolescência: a música
pouco lhe dava retorno financeiro. Então, num ímpeto de coragem,
resolveu largar tudo e dedicou-se aos estudos. Formou-se
em direito, administração e marketing. “Aquela vida de artista
amador estava ficando muito difícil e eu tinha que ajudar em
casa. Foram incontáveis as vezes em que eu coloquei o meu
compacto debaixo do braço e fui nas rádios pra ver se algo mudava.
Mas não deu certo, não era a minha hora”. Apesar de ter
feito diversos CDs promocionais ao longo dos anos e um número considerável de composições de sucesso, sua volta para a
música só aconteceu efetivamente em 2014.
Se analisado agora, três anos depois do lançamento do disco
homônimo que finalmente levou Lulli às paradas de sucesso, esse
retorno parece ter sido uma obra do destino. Isso porque foi necessário
um enorme hiato e diversos altos e baixos para o cantor
encontrar seu lugar na música. E, quando ele enfim aconteceu, foi
em grande estilo. Em 2014, o álbum foi o terceiro mais vendido
da Sony Music e emplacou mais de 150 mil cópias. “Quando
comecei a pensar naquele projeto, queria algo que fosse diferente.
Então, decidi cantar em italiano. Acho que as pessoas têm uma
certa carência por canções mais sinceras, maduras, que falam sobre
amor de uma maneira mais sentida”, explica. “Deu certo e
hoje eu tenho muito orgulho desse trabalho”.
Com o sucesso cada vez mais frequente, o cantor passou a emplacar
uma série de composições em novelas. Em 2014, Vitória,
interpretada por Rosemary, entrou para a trilha da trama de mesmo nome da Record, que ainda contou com Eternamente, interpretada
pelo próprio Lulli. Já em 2016, o artista soltou a voz em
Anos solidões, tema de abertura de Escrava mãe (Record). E, mais
recentemente, produziu e compôs as faixas Gato xadrez (cantada
por Bia Jordão) e Amigos da lua - que conta com ele nos vocais -
para a novela infantil Carinha de anjo (SBT). “Foram anos intensos
e cheios de muitos trabalhos e realizações. Depois de uma
breve calmaria, estou pronto para o próximo passo”.
› Entre, fique a vontade
Agora, o cantor finaliza o seu novo álbum de inéditas. Sala de
estar. Previsto para ser lançado em junho pela Sony Music, trará
13 canções, sendo cinco versões de grandes sucessos e oito músicas
autorais. Uma delas, inclusive, foi escolhida para ser tema do
longa Jogos clandestinos, a ser lançado no próximo ano. “Uma certa
noite, o Caco Milano (diretor do filme) me ligou e disse: ‘Preciso
de uma bela música para o longa. Aí nasceu Ti voglio bene,
uma das faixas mais intensas do disco”, revela.
A expectativa em torno de Sala de estar é grande – afinal, o
álbum tem a difícil tarefa de igualar (ou ultrapassar, quem sabe)
o sucesso do trabalho anterior do cantor. Pergunto, então, a Lulli
se ele tem noção disso. “Estamos muito confiantes com esse novo
projeto. Chamamos um time incrível para trabalhar conosco,
temos participações especiais de peso e uma produção impecável. Foram seis meses de trabalho intenso”.
Gravado em sete estúdios diferentes – alguns deles internacionais
– o disco contará com arranjos de uma das orquestras mais
antigas do mundo, a Filarmônica de São Petersburgo/Russia
(criada em 1882). “Enviamos o material pra lá e os músicos ficaram
responsáveis por seis faixas, incluindo Ti voglio bene", conta
Lulli. “Nesta parte, em especial, faremos um trabalho bem bacana
em vídeo. Em breve, vamos liberar alguns clipes em que a
orquestra aparece tocando e eu, cantando”, revela. Outras participações
especiais incluem o dueto de Lulli e Ivan Lins em Abbandonato,
canção romântica escrita pelo próprio cantor em
parceria com Giggio e Valéria Mindel, e os arranjos do maestro
Anderson Toleto em algumas faixas.
› Vertentes
Engana-se quem pensa que Lulli dedica-se somente ao canto. Muito pelo contrário. Ele também é produtor nas horas vagas e, inclusive, acabou de finalizar o novo álbum de estúdio de sua amiga e parceira Rosemary. O projeto, que deverá ser lançado em breve, ainda conta com oito composições suas. Em paralelo, ele também trabalha no disco da dupla sertaneja Wesley & Lucas. “Tem sido um desafio trabalhar com o gênero, mas estou adorando”, revela o artista. Sorridente, ele estufa o peito para contar mais uma novidade: “Eu também virei ator recentemente!”. Eu rio e fico interessada, querendo saber mais. “Lembra do filme que te falei, Jogos clandestinos? Fiz uma ponta nele!”.
No longa, Lulli interpretará o cantor e pianista Salvatore, que passa suas noites cantando num cassino clandestino. “A única diferença dele para mim é que eu nunca cantei num lugar desses”, diz, enquanto levanta as sobrancelhas. “Acontece que o dono do cassino, um mafioso russo barra pesada, não ia muito com a cara do Salvatore, então...”. Lulli para, abaixando um pouco a voz. “Ele manda alguém me mantar. E é isso, eu morro no filme! E acabei morrendo umas cinquenta vezes porque eles filmaram a minha morte de diversos ângulos. Lembro-me que na hora da gravação a sala estava cheia de câmeras e de gente, parecia que todo mundo queria ter o prazer de me ver morrer”, lembra, divertindo-se. “Eu não aguentava mais morrer. Quando terminei de gravar, cheguei no meu flat e cai na piscina. Dormi por lá”. Nós caímos na gargalhada novamente. Parece que chegou a hora de nos despedirmos.
Em quase quatro horas de conversa, sinto que transitamos pelos mais diversos assuntos: música, poesia, signos, arte, política, cinema e peças de teatro. E isso é bom, só agrega. Então, levando-me, dando uma boa olhada na sala e apertando a mão de Lulli. Ele dá uma risada sincera – e charmosamente indomada – e me olha nos olhos. Desta vez, sou eu quem o encara, como quem diz: “Eu não vou ganhar um abraço?”. Nós nos abraçamos e Lulli segue o seu rumo, cantando uma música animada.
No longa, Lulli interpretará o cantor e pianista Salvatore, que passa suas noites cantando num cassino clandestino. “A única diferença dele para mim é que eu nunca cantei num lugar desses”, diz, enquanto levanta as sobrancelhas. “Acontece que o dono do cassino, um mafioso russo barra pesada, não ia muito com a cara do Salvatore, então...”. Lulli para, abaixando um pouco a voz. “Ele manda alguém me mantar. E é isso, eu morro no filme! E acabei morrendo umas cinquenta vezes porque eles filmaram a minha morte de diversos ângulos. Lembro-me que na hora da gravação a sala estava cheia de câmeras e de gente, parecia que todo mundo queria ter o prazer de me ver morrer”, lembra, divertindo-se. “Eu não aguentava mais morrer. Quando terminei de gravar, cheguei no meu flat e cai na piscina. Dormi por lá”. Nós caímos na gargalhada novamente. Parece que chegou a hora de nos despedirmos.
Em quase quatro horas de conversa, sinto que transitamos pelos mais diversos assuntos: música, poesia, signos, arte, política, cinema e peças de teatro. E isso é bom, só agrega. Então, levando-me, dando uma boa olhada na sala e apertando a mão de Lulli. Ele dá uma risada sincera – e charmosamente indomada – e me olha nos olhos. Desta vez, sou eu quem o encara, como quem diz: “Eu não vou ganhar um abraço?”. Nós nos abraçamos e Lulli segue o seu rumo, cantando uma música animada.
Matéria publicada na edição MAIO/JUNHO da revista Sucesso!.
Marcadores: Capa, Entrevistas, Música
Postar um comentário
Deixe um comentário: